Estar curioso e alerta às possibilidades é um caminho que fica escondido atrás de nossas convicções e do nosso ego, da necessidade de estar certo e ser o vencedor do conflito.
Por Rita Almeida
Head de estratégia na AlmapBBDO
Em tempos de SXSW, venho falar sobre uma das atrações pouco comentadas, mas de enorme relevância para nosso momento sociocultural: o antropólogo Willian Ury, que passou os últimos 40 anos envolvido nas mais complexas negociações de conflitos globais como guerras, confrontos políticos e diplomáticos. É antropólogo, autor de alguns livros, expert em negociação e cofundou o Harvard Program on Negotiation.
Willian esteve presente no emblemático conflito entre o presidente americano Donald Trump e o ditador norte coreano Kim Jong-un nos anos de 2017 e 2018. Ury também participou da negociação entre Abílio Diniz e Jean Charles Naouri, do Casino. Em ambos os casos, as duas partes transformaram seus relacionamentos e passaram a conviver amigavelmente. Nem sempre isso acontece e nem sempre o conflito é resolvido também.
Em vários exemplos, como a Guerra civil da Colômbia entre as forças conservadoras e socialistas, que se arrastou por anos e anos, o conflito continuou, mas a guerra e a violência acabaram e isso já significa muito. Outro ensinamento de Wiliam é que a maioria dos conflitos não se resolvem em uma reunião ou em uma semana. Uma negociação geralmente precisa de tempo e de muita escuta.
O que acho mais incrível é a simpatia e doçura do Ury, sendo um profissional constantemente envolvido em disputas, raivas e muros altos. Ele está sempre sorrindo, é casado com uma brasileira, diz ter uma afinidade com o Brasil, e arrasta um português otimamente. Estou lendo o seu último livro, “Possible”, ainda sem tradução. Nessa obra, ele traz muitas das suas descobertas na solução de conflitos e também uma metodologia para resolvê-los. E tudo isso é amarrado em uma teoria linda, que William fala ter aprendido com seu avô, um homem que, “onde todos viam obstáculos, ele via possibilidades”. E disso vem a frase repetida por William Ury, quase um mantra: Nem pessimista, nem otimista, eu sou possibilista.
Peguei esse mantra para mim. Eu acho isso uma esperança, uma direção a seguir, uma enorme inspiração. Estar curioso e alerta às possibilidades é um caminho que fica escondido atrás de nossas convicções e do nosso ego, da necessidade de estar certo e ser o vencedor do conflito. Ah! Sobre isso, Ury esclarece: um conflito bem negociado não tem um vencedor, tem vencedores, onde todos se sentem ouvidos e, de alguma forma, contemplados.
Mas ser possível não significa ser fácil. O quanto pode ser difícil lidarmos com nossas certezas, desejos e crenças para chegar em um lugar que nem tínhamos imaginado? Um caminho do meio? Ou um caminho à frente? E que, além disso, ainda precisa de paciência, persistência e coragem? Sim, coragem, porque “ser possibilista é olhar as possibilidades negativas no olho e usá-las como motivação para buscar as possibilidades positivas”.
Para transformar conflitos em possibilidades, o autor William Ury nos mostra um caminho, um jeito de pensar, uma metodologia. Mas é cada um de nós que vai fazer suas análises e buscar suas possibilidades. O caminho que ele propõe é muito interessante: ele sugere que o ponto de partida não seja o problema, mas, antes, deve-se começar pelo possível: construir um contexto de possibilidades, que ele chama de “ciclo de possibilidades” e, no centro, o problema. “Não ignore os obstáculos, mas comece pelas aberturas. O caminho para o possível começa com as possibilidades.”
Uma vez tendo mudado o ponto de partida, o caminho das possibilidades para solução de conflitos exige que a gente tenha um olhar para 3 dimensões do problema que, se resolvidas juntas, nos levará muito mais longe.
A primeira está relacionada ao “EU”, a minha visão do problema. A gente costuma reagir com medo e raiva, como se estivéssemos no lugar de ataque. Aqui William sugere que a gente se coloque na posição de estar em uma sacada, onde a calma é mais possível e a perspectiva muito mais ampla. Essa é a vitória consigo mesmo.
A segunda perspectiva é a do “VOCÊ”. Em conflitos difíceis a gente costuma construir muros e defender nossa posição. Precisamos fazer o contrário: aprender a ouvir para poder construir pontes. Eu já falei aqui em outro artigo sobre a importância da escuta, mas acredito que falarei em praticamente todos eles, porque essa é uma urgente necessidade contemporânea.
A terceira camada é o “TODO”. Em conflitos destrutivos costumamos ver dois lados imaginando uma vitória unilateral: nós versus eles. Porém, o que o antropólogo Ury nos lembra é que existe uma terceira via, a do TODO, ou a comunidade que está a nossa volta, que se importa e está preocupada com o conflito. Quando pensamos no TODO, temos a possibilidade de encontrar ajuda para interromper brigas, acalmar, ir para a sacada e ter uma visão maior do problema. Eles podem nos ajudar a construir as pontes que irão beneficiar tudo em volta.
Com essas 3 perspectivas, William acredita que podemos desbloquear um potencial pleno para solução dos problemas considerando o “EU”, o “VOCÊ” e o “NÓS”.
Para olharmos para as 3 dimensões do conflito, nossas maiores ferramentas serão a curiosidade, a criatividade e a capacidade de colaboração. Ninguém vence sozinho. Com essas capacidades e esse olhar, não vamos mudar o fato do mundo ser cheio de conflitos, mas sim rever a forma de se posicionar e resolvê-los. E, para o autor, conseguir transformar conflitos é uma bela maneira de transformar o mundo, aumentar nosso potencial humano e criar abundância.
William Ury acredita que o possível é o novo SIM. Ele me inspirou muito com a sua crença de que o impossível pode se tornar possível e que os confrontos destrutivos podem se tornar negociações produtivas. E eu te pergunto: a perspectiva do autor ampliou a sua visão sobre conflitos? Te levou para a sacada? Te estimulou a ouvir mais e melhor? A se imaginar construindo pontes? Afinal, qual é o seu caminho para o possível? Eu vou adorar saber, e provavelmente o William Ury também.